“Por Dentro do Direito”
O Direito acessível a todos de uma forma clara e objetiva é a proposta da coluna ‘Por Dentro do Direito’ do Jornal Araxá News, assinada pelo Dr. Vitor de Souza Brasileiro, que será publicada periodicamente aqui no ‘seu canal de notícias’.
Serão abordados diversos temas jurídicos que estão presentes no seu dia-a-dia, como: Direito de Trânsito, Direito Criminal, Direito Cível, Direito do Consumidor, Direito de Família, dentre outros.
Confira e fique você também “Por Dentro do Direito”!
O réu primário e sua “pseudo”-imunidade
“Há um jargão popular, ou quem sabe uma “lenda urbana” em volta do famigerado “réu primário”, que pressupõe à luz do entendimento popular, uma espécie de impunidade aos criminosos de primeira viagem, os iniciantes no mundo do crime. Bom, a verdade é que muitos sequer conhecem o instituto da “primariedade” ou ainda da “reincidência”, tornando essa crendice uma verdadeira lenda difundida especialmente entre as classes mais baixas, talvez com o intuito de inserir jovens na prática delitiva, ou quem sabe para confortar aqueles que “caem” pela primeira vez.
Em um primeiro momento, visando desmistificar essa “pseudo”-imunidade, cabe a nós definirmos o que é ser um “réu primário”. Ora, ser primário é nunca ter praticado um crime, certo? ERRADO, engana-se quem imagina a primariedade como a prática de um delito pela primeira vez. Na verdade, segundo define o nosso Código Penal Brasileiro, em seu artigo 63, é reincidente (em apertada síntese) aquele que comete um novo crime no período de até 5 anos após o trânsito em julgado de uma sentença condenatória anterior. Simplificando: deixa de ser primário aquele que possui uma condenação criminal da qual não caiba mais nenhum recurso, e no período de até 5 anos após a condenação, cometa um novo crime. Passado esse prazo, o agente “volta” a ser primário.
Dessa forma, indaga-se novamente: é possível ser primário mesmo já possuindo condenação criminal? SIM, e com certa habitualidade, “diga-se de passagem”. Basta que, ao tempo do fato já tenha ultrapassado o período de 5 anos da sentença condenatória anterior, ou ainda que essa condenação esteja pendente de recurso. Contudo, ser tecnicamente primário não inibe que o agente seja preso em caso de eventual crime praticado, ao contrário do que aparentemente indica a crendice popular.
É comum ouvir-se (mormente em tom jocoso) em diálogos informais (“conversas de bares” e “rodas de amigos”) a respeito da possibilidade de valer-se de seu “réu primário” para que não seja preso, independente do crime praticado e, tal conclusão é perfeitamente aceitável a quem não tem familiaridade com o meio jurídico. Todavia, é sabido entre os bacharéis em direito (ou pelo menos, deveria ser) que, embora a reincidência seja fator crucial para estipulação do regime inicial de cumprimento de pena, não é parâmetro único para sua fixação.
Em verdade, a pena é individualizada “caso a caso” através de um método trifásico (fracionado em três fases) de dosimetria, ou seja, o cálculo parte de uma pena abstrata prevista em lei (ex: furto – art. 155 do CP – pena de 1 a 4 anos de reclusão), e após três fases de ponderação, se concretiza individualmente. Dessa forma, a pena pelo mesmo crime, pode ser (e provavelmente será) diferente para cada indivíduo que incidir no mesmo tipo penal, a depender das circunstâncias judiciais (art. 59, caput, do CP), a presença de agravantes e/ou atenuantes (arts. 61 a 65, do CP) e causas de aumento ou diminuição de pena. Para alívio do leitor, não nos aprofundaremos nessa temática no momento, uma vez que tão somente servirá a este artigo como demonstração de que é impossível, ou melhor, improvável, definir-se o regime inicial do cumprimento da pena, de forma abstrata (exclusivamente por ser reincidente ou não).
Isto posto, vejamos como a reincidência pode interferir ou não na prisão do réu condenado. De forma resumida, existem 3 (três) regimes iniciais de cumprimento de pena (de reclusão): o fechado, o aberto, e o semiaberto; dentre esses, apenas o fechado estritamente obriga o encarceramento do réu em presídios ou penitenciárias. Os regimes semiaberto e aberto, nos termos da legislação vigente, deveriam possuir locais próprios para cumprimento, com menor rigor penitenciário (ou nenhum, no caso do regime aberto). Entretanto, pela total ausência de tais estabelecimentos em muitas comarcas – a exemplo de Araxá – na prática, o condenado nestes regimes irá cumprir a pena em liberdade, condicionado à prestação de serviço comunitário, comparecimento periódico em juízo, entre outros encargos.
Portanto, na maioria dos casos, em comarcas menores, somente o condenado no regime fechado será preso. Mas como definir o regime inicial? Certo, após fixar-se individualmente a pena (conforme dito acima) caberá ao magistrado definir o regime inicial, conforme os parâmetros do artigo 33 do Código Penal. Assim:
a) pena superior a 8 anos: regime obrigatoriamente fechado;
b) pena superior a 4 e menor ou igual 8 anos: regime fechado (se reincidente) ou semiaberto (se primário);
c) pena igual ou inferir a 4 anos: regime aberto (se primário), regime semiaberto (se reincidente e as circunstâncias judiciais foram favoráveis); regime fechado (se reincidente e as circunstâncias judiciais foram desfavoráveis).
Sendo assim, podemos concluir que ser primário garante ao réu o regime inicial mais brando, e por conseguinte, distância da prisão, desde que a pena seja igual ou inferior a 8 anos. Logo, a lenda popular de que o “réu primário” garantirá a liberdade do agente, para alguns crimes (talvez a maioria) se mostrará verdadeira, contudo, há delitos mais graves que a própria pena abstrata impossibilitará a aplicação de um regime diverso do fechado. É o caso, por exemplo, do crime de homicídio qualificado, cuja pena mínima é de 12 (doze) anos, de sorte que, o réu terá o regime inicial fechado, independentemente de ser primário ou não, ainda que ostente bons antecedentes.
Desse modo, podemos concluir que a reincidência é fator importante para a definição do regime inicial, de forma que o réu primário, na grande maioria dos crimes, não iniciará o cumprimento em regime fechado. Entretanto, como tudo no direito, a afirmação anterior não é absoluta, uma vez que qualquer condenação cuja pena imposta seja superior a 8 (oito) anos de reclusão, obrigatoriamente imporá o regime fechado ao acusado, ou seja, ainda que primário, será preso. Para tanto, levando em consideração que a aplicação da pena é individualizada “caso a caso”, basta que o delito preveja pena mínima superior a 8 (oito) anos de reclusão, ou que o cálculo, após as três fases de dosimetria, implique em reprimenda superior ao patamar supra citado. Sendo assim, É FALSA a lenda urbana de que ser primário garante a impunidade do réu.”